Uma jornada incerta
Débora Butruce e
Orsolya Balogh
Territorialidade e cultura de fronteira
Rodrigo Corrêa Teixeira
Ciganos no Brasil: uma identidade plural
Mirian Alves de Souza
De Tarabatara a Rio cigano
Julia Zakia
Iugoslavo de nascimento, cigano por profissão¹
Eduardo Valente
Entrevista: Emir Kusturica¹
Anthony Kaufman
Latcho Drom exibido pela Cinemateca francesa¹
Raphaël de Gubernatis
A caravana cigana¹
Nick Roddick
A necessidade de trincheiras¹
Fabian Cantineri
Mais do que um olhar sobre a solidão de um órfão¹
Jugu Abraham
Sean Homer
Representações dos roma são ubíquas na história do cinema dos Bálcãs. O primeiro filme dos Bálcãs que teve distribuição em outros países tratava dos roma, In Serbia: A Gypsy Marriage [Na Sérvia: um casamento cigano] (1911), e o primeiro filme cigano exibido em um festival importante de cinema foi produzido na antiga Iugoslávia. I Even Met Happy Gypsies [Cheguei até a encontrar ciganos felizes], de Aleksandar Petrovic, ganhou o Grande Prêmio Especial no Festival de Cannes em 1967 (GOCIC, 2001). Porém, a maioria desses filmes foi dirigida por diretores de origem não rom, sendo os roma objeto de representação. Como diz Dina Iordanova em sua introdução à edição especial de Framework dedicada às “Imagens cinematográficas dos ciganos”:
Os ciganos são habitualmente representados por outros, eles nunca tiveram a chance de fazer uma representação de si mesmos. O persistente interesse cinemático pelos “ciganos” tem reiteradamente levantado questões de autenticidade versus estilização e de condescendência e exoticismo, em um contexto marcado por uma imensa ignorância da verdadeira natureza da cultura e da herança ciganas (IORDANOVA, 2003b, p.6).
Como observou em outro texto, “mesmo quando demonstram um interesse genuíno pela situação difícil dos ciganos, os cineastas exploram a riqueza visual do seu estilo de vida extremamente não convencional. Filmes que têm os ciganos como personagens principais frequentemente incluem imagens mágico-realistas belíssimas e utilizam tropos narrativos recorrentes” (Idem, 2003a, p.107).
Como afirma Iordanova, é comum vermos questões de “autenticidade” e “verdade” da representação serem levantadas em filmes “sobre” os roma. O cineasta Emir Kusturica – um ex-bósnio, agora sérvio – é um bom exemplo. Seus dois filmes ciganos principais – O tempo dos ciganos e Gato preto, gato branco – mostram a vida e a cultura ciganas de uma maneira extremamente positiva, embora empreguem tropos narrativos convencionais. A narrativa de O tempo dos ciganos trata do tráfico ilegal de crianças roma feito por gângsteres roma através da fronteira italiana, crianças que acabam virando mendigos e prostitutas, ao passo que a trama bastante fraca e superficial de Gato preto, gato branco se concentra novamente nos roma como criminosos e no roubo de um trem carregado de petróleo. Ao mesmo tempo, esses filmes tornaram possível o espaço representacional em que Kusturica revela “imagens mágico-realistas espetacularmente bonitas”, que acabaram se tornando sua marca cinemática e facilitaram a projeção de um profundo romantismo (a cena do dia de São Jorge, por exemplo, em O tempo dos ciganos). Esse romantismo é ainda mais pronunciado em Gato preto, gato branco; a vida cigana é apresentada como uma interminável “aventura feliz, como se estivéssemos numa montanha-russa” (Idem, 2002, p.87), não há aí a tentativa de representar a dureza e a realidade da vida dos roma. A recepção crítica dos filmes de Kusturica sobre os roma tem sido, portanto, bastante divergente. O tempo dos ciganos, em particular, foi elogiado por sua “autenticidade” étnica (GOCIC, 2001, p.98) e, ao mesmo tempo, criticado pelos roma por perpetuar estereótipos negativos e pelo romantismo (IORDANOVA, 2002, p.69). Goran Gocic defende a autenticidade do filme com base no fato de que O tempo dos ciganos foi filmado quase exclusivamente na linguagem vernacular romani e precisou de legendas em todos os países onde foi exibido. Kusturica usa também atores ciganos não profissionais e mostra toda a desordem contraditória da vida e da cultura dos roma (isto é, os ciganos como sujeitos engenhosos e laboriosos, mas também como criminosos e dissolutos), segundo ele, do ponto de vista de alguém de dentro (GOCIC, 2001, p.93-106). Embora ele mesmo não seja parte dos roma, ficamos seguros da autenticidade da representação de Kusturica por conta da proximidade do objeto de estudo. A narrativa de O tempo dos ciganos foi elaborada a partir de conversas que Kusturica teve com ciganos na prisão de Skopje (IORDANOVA, 2001, p.61) bem como do tempo que passou na sua juventude com a população rom de Sarajevo (GOCIC, 2001, p.93, 102).
A questão de autenticidade e verdade se torna ainda mais marcante quando o diretor é ele mesmo cigano.² Tony Gatlif é, sem dúvida, o diretor rom mais conhecido e mais amplamente distribuído em atividade atualmente. Com efeito, é o único diretor rom que a maioria de nós conhece, embora alguns poucos diretores rom menos conhecidos tenham recebido alguma atenção. Na década de 1990, o diretor rom-russo Dufunya Vishnevskiy teve um significativo sucesso local, embora num circuito de cinema “marginal” e alternativo, com duas produções ciganas, It’s My Fault [É minha culpa] (1993) e The Sinful Apostles of Love [Os pecaminosos apóstolos do amor] (1995). Mais uma vez, contudo, o principal ponto levantado pelos críticos com relação à obra de Vishnevskiy foi a busca por “autenticidade e espontaneidade” (CHILINE, 2003, p.39) como apresentação verdadeira da “experiência rom” e da “autorrepresentação” (Ibidem, p.40), em vez de, digamos, o virtuosismo técnico ou a complexidade narrativa.³ É como se a etnicidade e a história pessoal do diretor garantissem a autenticidade e a verdade da representação em uma versão cinemática da velha falácia biográfica (BARTHES).4 Porém, não colocamos estas questões toda vez que assistimos a um filme hollywoodiano – este é um retrato etnograficamente acurado da sociedade norte-americana contemporânea? Que experiência tem o diretor que lhe permita representar a cultura norte-americana de tal forma? –, então por que deveríamos formulá-las quando assistimos a filmes sobre os roma? Ou, antes, minha questão é por que coisas como essas deveriam ser quase o único critério com o qual julgamos filmes sobre os roma?
É essa questão da “autenticidade” e da “verdade” da representação, isto é, a completa equivalência ou identidade entre a representação mesma e o objeto da representação que desejo discutir neste artigo. Ao contrário da recepção crítica prevalecente dos filmes sobre os roma, que quer ler todos os longas-metragens como documentos etnográficos, argumentarei que o filme O estrangeiro louco, de Tony Gatlif, explicitamente solapa tal leitura. Longe de representar uma visão autêntica da vida e da cultura ciganas, O estrangeiro louco problematiza toda a noção de verossimilhança. O conceito psicanalítico de identificação projetiva tem sido utilizado para explicar tanto a difusão dos filmes roma no cinema dos Bálcãs como seu apelo às audiências da Europa Ocidental. Em certo nível, considero esse argumento persuasivo, mas acho também que ele deixa em aberto uma série de questões relacionadas, primeiro, ao suposto espectador ou sujeito dessa relação e, segundo, às consequências de estruturar os roma como objeto de representação. Portanto, partirei de uma escola alternativa de psicanálise para argumentar que o que está em jogo em O estrangeiro louco não é tanto o que projetamos sobre o objeto, mas o status exato do objeto, qual seja, os roma, ou a cultura roma enquanto uma Coisa homogeneizada e identificável.5
Estratégias narrativas
Uma das características definidoras da estética cinemática balcânica foi identificada por Iordanova, trata-se da narrativa de uma busca ou de um diário de viagem (2001, p.55-70). O diário de viagens é característico de tramas balcânicas e, como Todorova demonstrou de modo convincente, da construção dos Bálcãs como espaço no imaginário do europeu ocidental. Para o que pretendemos aqui, precisamos apenas observar a estrutura narrativa subjacente, que é muito básica. Um viajante, normalmente um europeu ocidental, visita um local exótico, nesse caso os Bálcãs, para descobrir alguma coisa. Poderia ser para conhecer outras culturas e outros modos de vida, mas normalmente envolve alguma coisa que está ausente (ou faltando) na vida do protagonista. Nesse sentido, o viajante espera ou acredita que pode experimentar situações ou culturas que sejam mais genuínas ou “reais” do que aquelas encontradas em nossa realidade social anêmica de europeus ocidentais. Dessa perspectiva, o diário de viagem se torna a narrativa de uma busca, uma busca por autenticidade e verdade. O que é importante aqui em relação à estrutura narrativa do diário de viagem é que a trama é desenrolada pelo ocidental, e os personagens locais só existem como objetos de estudo ou exemplares daquele modo de vida mais genuíno, mais “real”. O gênero cigano é uma variação dessa estrutura narrativa, pois a mera não convencionalidade da vida dos roma parece oferecer algo mais real, genuíno e visceral do que a nossa própria existência alienada. Porém, a questão contra qual o conjunto de normas esta “não convencionalidade” se coloca não é comumente abordada, sendo admitida como dada. O filme “cigano” típico, diz Iordanova, “é um melodrama, com uma trama que normalmente evolui para romance inter-racial” (IORDANOVA, 2003b, p.8). Esse romance “normalmente gira em torno de uma ligação pura e espontânea entre uma garota romani e um homem do grupo étnico dominante (‘branco’)” (Ibidem, p.8). Essa trama pressupõe uma série de considerações significativas: “O amor cigano nada mais é do que paixão dissoluta; os ciganos conhecem todos os segredos do amor que estão fora do alcance, porém são perpetuamente desejados pela etnicidade dominante (‘branca’)” (Ibidem, p.8). Trata-se de um estereótipo, e um já bem gasto, mas filmes como Chocolate (2000) e toda a personalidade de Johnny Depp testemunham que é um estereótipo com um apelo cultural persistente.
Em termos de construção narrativa, O estrangeiro louco é um filme “cigano” muito convencional. Ele conta a história de um jovem francês, Stéphane (Romain Duris), que viaja de Paris a Romênia para procurar uma velha cantora cigana, Nora Luca. Stéphane chega a uma pequena vila romena em uma noite gelada, e ninguém abre a porta para ele. Em contraposição à indiferença a ele manifestada pela população local, um velho rom (Isidor), que está afogando suas mágoas em vodca em uma praça do vilarejo (seu filho acabara de ser preso), o “adota”. Em seguida, Isidor o leva a uma pequena comunidade rom localizada nos arredores. Isidor insiste que conhece Nora Luca e que levará Stéphane a ela no dia seguinte, mas primeiro desfila com seu novo amigo francês no acampamento cigano e no vilarejo. Gatlif inverte os estereótipos comuns, pois é Stéphane que é posto em suspeita pela comunidade cigana, ele é acusado de ser um ladrão de galinhas, um parasita e um vagabundo que pretende roubar mulheres e crianças da comunidade (possui poucas coisas, e as solas do seu sapato estão cheias de buracos). Os hábitos ocidentais civilizados desse estrangeiro louco (é bastante educado, a princípio não gosta de beber e jogar, e limpa a casa onde foi hospedado) são alienados pelo olhar da comunidade cigana, embora gradual e inexoravelmente ele “se torne nativo”, se adapte à comunidade dos roma. Ele também conhece e se apaixona pela “bela”, “ardente” e “sensual” (alguns exemplos de adjetivos orientalistas comuns) Sabina (Rona Hartner). O filho de Isidor, Adriani, é solto, mas quase imediatamente provoca uma briga no bar local, incitando a fúria dos habitantes do vilarejo contra a comunidade dos roma como um todo. Enquanto Sabina e Stéphane fazem amor e correm pelados pela floresta, os habitantes da vila queimam o acampamento cigano e incineram Adriani em sua própria casa. O filme termina onde começou, numa beira de estrada com um marco miliário. Stéphane destrói e enterra as fitas de música cigana que havia gravado e catalogado cuidadosamente, bebe vodca e dança ritualmente sobre a sepultura. A câmera faz uma panorâmica até o carro, onde vemos Sabina acordar. Ela vê a dança de Stéphane e esboça um sorriso, os créditos então começam a subir.
A crítica leu O estrangeiro louco como um filme sobre autodescoberta e verdade:
Stéphane passa por um processo de aculturamento – ele mergulha completamente na sociedade cigana e emula seus hábitos para ter acesso a essa sociedade. Nesse sentido, sua experiência (fundida na perspectiva da câmera) significa uma descoberta íntima do povo cercado pelo espesso muro de estereótipos construídos em torno da cultura cigana. O pedigree de Gatlif – ele mesmo metade cigano – nos garante que isso é verdadeiro (THOMPSON, 2000, p.3).6
A verossimilhança do texto se distingue pelo background de Gatlif como documentarista, em particular, pela direção de fotografia modesta (planos longos), pela edição simples (sem efeitos especiais ou edições dramáticas), pelo uso de atores não profissionais e pela mise en scène (o pano de fundo de suas tomadas é estático ou vazio). Gostaria de ler esse filme de uma maneira ligeiramente diferente. Se é de fato um filme sobre uma descoberta, não é a descoberta da verdade escondida atrás do muro de estereótipos, mas a revelação de que não há nada a ser descoberto atrás desse muro e de que não há verdade em termos de identidade pessoal ou cultural que possa nos dar a “imagem verdadeira”, e isso não depende de o diretor ser rom ou não.
Tornando o outro objeto
Vou usar como ponto de partida para esta leitura outra citação de Iordanova. A verdadeira questão nesse filme, ela diz, “não é a autenticidade da representação etnográfica, mas o fato de que o interesse pelos roma é definido e movido pelas necessidades da identificação projetiva” (2001, p.223). Resumidamente, identificação projetiva designa o processo psíquico por meio do qual um atributo do eu é projetado sobre um objeto (que nesse sentido designa outra pessoa). Para Melanie Klein, a identificação projetiva é o protótipo de todos os tipos de relações agressivas de objeto na medida em que a parte ruim ou destrutiva do eu, o ódio, a frustração etc. é projetada sobre outro, e isso possibilita a negação dos sentimentos (HINSCHELWOOD, 1991, p.178-208). Esse processo ocorre na fantasia, isto é, na designação kleiniana de fantasia inconsciente. No limite, ele pode adquirir características patológicas, quando o objeto sobre o qual a parte expelida do eu é projetada passa a se assemelhar ao eu. Assim, “o ódio com o qual o objeto é atacado” (Ibidem, p.163) faz o eu sentir que seu próprio ego está em perigo, e isso intensifica os sentimentos de perseguição e ansiedade do eu. Como consequência dessa fragmentação do ego, o eu se sente enfraquecido e sob ameaça. Para Klein, portanto, a identificação projetiva tem um significado muito preciso e é bem diferente das formas comuns de projeção como fenômeno intersubjetivo, mas essa precisão é frequentemente ofuscada quando o termo é empregado em análises sociais ou culturais. Porém, não desejo aqui abordar as tecnicalidades de tais distinções, mas, ao contrário, pretendo observar a maneira pela qual o conceito foi utilizado com eficácia na análise dos filmes roma, bem como levantar certas questões a respeito do seu uso.
Na identificação projetiva, como sugeri, projetamos inconscientemente uma parte não desejada do nosso eu sobre outro e, em seguida, negamos esses sentimentos. A representação dos ciganos no cinema dos Bálcãs, contudo, é extraordinariamente positiva e indulgente, ao invés de negativa e destrutiva. O que podemos ver acontecendo, portanto, é a projeção de nosso lado espontâneo, indomável e apaixonado – que nós subjugamos, domesticamos e renegamos na cultura europeia ocidental – sobre os roma. Nós então tornamos esses traços exóticos precisamente porque não os possuímos mais.7 Nesse sentido, a identificação projetiva em funcionamento nos filmes ciganos é uma extensão da autoexoticidade consensual da região, ou o que os estudiosos dos Bálcãs identificaram como “orientalismo de nidificação” (BAKIC-HAYDEN, 1995).8 Alternativamente, podemos ver uma forma mais negativa de identificação projetiva acontecendo, com a qual os roma operam como uma metáfora da região como um todo. Ou seja, os Bálcãs são os ciganos da Europa, marginalizados na periferia da Europa, tanto do ponto de vista geográfico como em termos de desenvolvimento cultural e econômico. Como diz Iordanova, a representação ubíqua dos roma no cinema dos Bálcãs fornece um meio substituto para a autorrepresentação de grupos étnicos dominantes e suas próprias inquietações com a marginalidade e a identidade étnica (IORDONOVA, 2001, p.213-232). Embora a ideia de identificação projetiva seja altamente sugestiva e tenha sido mais desenvolvida por outros críticos (IMRE, 2003), há, creio, uma série de problemas quando se usa o conceito. Uma das dificuldades é que precisamos deixar claro quem é de fato o sujeito nesse exemplo. Estamos discutindo a fantasia inconsciente do diretor, de um personagem do filme ou da audiência? A projeção é diegética ou extradiegética? Ou, colocando de outra forma, quem está projetando o que sobre quem? Não quero tratar aqui desses problemas, mas quero abordar a questão de uma perspectiva psicanalítica alternativa, qual seja, a lacaniana, e usarei particularmente as formulações lacanianas do objet petit a [pequeno objeto a] e de “A mulher não existe”.
Os roma como objet a
A identificação projetiva consiste na ideia de que na fantasia alguma coisa é perdida pelo sujeito, aquela parte do eu que é projetada sobre o objeto. Mas e se, em primeiro lugar, nós nunca a tivéssemos? De acordo com Lacan, esse foi o entendimento de Freud quando, na Interpretação dos sonhos, ele sugeriu que havia um centro duro impenetrável do sonho – o “umbigo” do sonho – que está além da interpretação. Para Lacan, esse centro duro impenetrável é o real que está sempre ausente do simbólico. Representações, imagens e significantes são nada mais que tentativas de preencher esse falta constitutiva. Em Seminar VII, Lacan identificou esse elemento reprimido como o representativo da representação ou das Ding (a Coisa). A Coisa é o além-do-significado, aquilo que é incognoscível em si mesmo. A Coisa é o objeto perdido que deve ser continuamente reencontrado. Esse é o ponto importante para Lacan. A Coisa é o objeto perdido que, paradoxalmente, nunca esteve lá para ser perdido (LACAN, 1992, p.57-70). A Coisa é “a causa da paixão humana mais fundamental” (Ibidem, p.97), a causa-objeto de desejo, e só pode ser constituída retrospectivamente. A Coisa então não é o objeto real que desejamos, mas nosso desejo constitui esse objeto, e só podemos reconhecê-lo como tal quando ele desaparece. A Coisa é, “objetivamente” falando, uma não coisa, é somente algo em relação ao desejo que a constitui. Após os seminários de 1959-1960, o conceito de das Ding desapareceu da obra de Lacan e foi substituído em 1964 pela ideia de objet petit a. Stéphane – gostaria de propor – está em busca da Coisa ou do que ele acredita ser o objeto de desejo de seu pai.
A busca de Stéphane é ostensivamente a busca por uma cantora, Nora Luca, e isso aos poucos resulta na gravação e na catalogação da música com a qual ele se depara. Isidor fica confuso quando na praça do vilarejo escuta pela primeira vez a gravação de Nora Luca. “É uma bela canção”, diz a Stéphane, “mas há canções como essa aqui, por toda a parte.” Somente quando Stéphane entender a relevância dessa observação, abandonará a tentativa de transcrever e fixar a Coisa, o objeto de seu desejo, o objet a.
De uma perspectiva lacaniana, o desejo de um sujeito é estabelecido por meio do desejo do Outro e da tentativa do sujeito de localizar seu lugar no desejo do Outro. Como diz Bruce Fink, “quando a criança tenta apreender o que permanece essencialmente indecifrável no desejo do Outro…, seu desejo é fundado; o desejo do Outro começa a funcionar como causa do desejo da criança” (Ibidem, p.59). Nesse processo de tentar apreender o inapreensível, a criança é forçada a reconhecer seu status de sujeito dotado de falta e, mais importante, a perceber que o Outro é também falta. Essa sobreposição ou conjunção de duas faltas, Lacan denomina separação, e é nesse ponto que o sujeito pode diferenciar seu desejo do desejo do Outro. Para a nossa discussão, é importante manter em mente que, enquanto o desejo do outro sempre excede ou escapa ao sujeito, ele permanece, todavia, algo que o sujeito pode reter, e esse algo o mantém como sujeito desejante. Esse algo é o objet a, a causa-objeto de desejo.
O pai de Stéphane escutou muito Nora Luca, sua cantora favorita, no leito de morte. Etnólogo9 de formação, ele passou a vida viajando ao redor do mundo, gravando canções tradicionais. Morreu na Síria em uma de suas muitas viagens, longe da mulher e do filho.
Stéphane diz a Sabina que não conhecia muito o pai, que não o via muito e que este sempre estava ausente. Seu pai era, então, um enigma; o que o fez ficar longe da mãe e dele permanece um mistério. Nesse sentido, a busca por Nora Luca é uma busca por sentido, o sentido da ausência do pai. Por que uma velha cantora cigana o apaixonou tanto a ponto de ele deixar mulher e filho? Stéphane vê em Nora Luca o objeto de desejo do pai, e isso é constituído como seu objet a; ele então busca preencher a falta deixada pela morte do pai. Ao encontrar Nora Luca, conseguirá retrospectivamente dar sentido à sua vida e à ausência do pai; conseguirá – equivocadamente crê – preencher o vazio deixado pela morte do pai. Equivocadamente, sugiro, porque ele ainda não entende que o objet a é tanto o vazio quanto aquilo que vai preenchê-lo.
“Os roma não existem”
Stéphane acha que conseguirá preencher a falta, porque acredita que o objeto pode ser capturado, fixado e representado, mas, como diz Lacan, o significante é a morte da Coisa. À medida que a relação entre Stéphane e Sabina evolui, ela se coloca como mediadora entre ele e a comunidade local, levando-o para passear no acampamento para que possa gravar diferentes canções. Em uma sessão de gravação, quando a canção começa, Sabina se põe a dançar e cantar. O som dos seus pés batendo no chão de madeira do bar e sua cantoria atrapalha a gravação de Stéphane, e este pede que ela pare para que possa começar as gravações novamente. O que Stéphane deseja capturar mediante essas gravações é a voz autêntica da canção cigana, presumivelmente antes que ela desapareça, mas a autenticidade do momento acaba sendo eclipsada pela transcrição.
Quando canções são cantadas ao longo do filme, algumas tradicionais e outras compostas e tocadas pelo próprio Gatlif, elas são inevitavelmente acompanhadas pela “audiência” que dança, canta, bate palmas ou quebra pratos. Não há distinção clara entre audiência e músicos; a força vital das canções é “propriedade” coletiva, as canções são executadas por todos. É essa vitalidade absoluta que Stéphane apaga mediante o gesto de captura do objeto. Resumindo, ele apaga a Coisa mesma que deseja no objeto – a vitalidade, a vida pela qual seu pai foi também arrebatado. Ao inscrevê-la no simbólico, Stéphane mata a Coisa em sim. O objeto de desejo sempre se esquiva, nunca se pode possuí-lo, está sempre em outra parte. Essa é a lição que Stéphane aprenderá em uma taverna de Bucareste, “Nora Luca não existe”, nunca se pode possuir a Coisa.
Em Seminar VII, Lacan ilustra a noção de Coisa usando a tradição da poesia do amor cortês. Lacan se interessa particularmente pela idealização e pela inatingibilidade da mulher, da dama, nesses poemas. O amor cortês, escreve Lacan, “é um exercício poético, uma maneira de brincar com uma série de temas convencionais e idealizadores, que não poderiam ter qualquer equivalente concreto real” (1992, p.148). Resumindo, a mulher é uma imagem idealizada impossível, para a qual não existe equivalente real. Ela é o objet a, a Coisa, a causa-objeto impossível do desejo que inaugura o movimento do próprio desejo. A ideia de que “a Mulher não existe” foi aprofundada por Lacan nos Seminar XX (1998, p.7) e é frequentemente vista como uma de suas formulações mais ofensivas e misóginas – uma leitura, creio, baseada numa incompreensão fundamental de Lacan. Assim como o infame falo lacaniano é um significante “vazio” – é um significante da falta e não tem um conteúdo positivo –, o signo “mulher” não tem significado positivo ou empírico. Não há categoria universal de mulher à qual o signo “mulher” se refira. Em resumo, apelar para a noção de mulher como grupo homogênio é apelar para uma identidade imaginária e, portanto, ilusória. Da mesma forma, a noção de roma é uma construção imaginária e, portanto, ilusória. O ato de designar homogeneíza e idealiza os roma como grupo, apagando, portanto, a diversidade da cultura cigana. Quando Lacan se refere à existência, ele está se referindo a alguma coisa no nível do simbólico. Se a mulher existisse, teria que existir no nível do simbólico, e isso tem uma série de implicações. Em primeiro lugar, como para Lacan o simbólico é fálico, a feminilidade estaria subordinada ao falo, exatamente como pensou Freud, que viu a feminilidade como algo que não possui o pênis. Em segundo lugar, isso significaria que a feminilidade é uma construção inteiramente discursiva e que a identidade sexual é completamente sócio-simbólica. Dizer que a mulher não é “inteira” não é dizer que ela é, de alguma forma, incompleta e que lhe falte alguma coisa que o homem possui, mas, ao contrário, como diz Bruce Fink, é dizer que ela é “definida como não inteiramente reprimida. Uma mulher não é dividida da mesma forma que um homem; embora alienada, ela não está completamente submetida à ordem simbólica” (Ibidem, p.107). Lacan afirma isso em uma dupla negativa bem intrincada, o que gerou muita incompreensão a respeito da mulher como “incompleta”: “E esse é todo o ponto, ela tem diferentes formas de abordar tal falo e de guardá-lo para si. Não é que ela seja incompleta na função fálica, que não esteja lá de forma alguma. Ela não está lá de forma nenhuma. Está lá inteiramente. Mas há algo mais” (Ibidem, p.74). De uma perspectiva lacaniana, a mulher é “incompleta” precisamente por não existir, ela tem acesso a algo a mais (encore) do que o homem. É esse algo a mais, em termos de jouissance [gozo], que o pai de Stéphane viu em Nora Luca, e agora Stéphane identifica em Sabina. É também esse “mais”, esse excesso, que é apagado quando ele transcreve as canções no simbólico. O jouissance feminino é irrepresentável. Tentarei explicar isso traçando o destino da canção cantada por Nora Luca ao longo do filme.
Como mencionei anteriormente, a primeira vez que escutamos a canção é nas cenas iniciais do filme, quando Stéphane toca uma fita para Isidor. Tudo que está escrito na fita cassete, descobrimos mais tarde, é o nome “Nora Luca”. A segunda vez que escutamos a canção é quase no final do filme. Tarde da noite, após uma bebedeira numa taverna de Bucareste, a banda cigana, que Stéphane havia gravado na cena que mencionei acima, muda para uma melodia mais melancólica; trata-se da canção de Nora Luca, e Sabina acaba cantando junto. Gradualmente as vozes de Nora Luca e Sabina se fundem, e Stéphane se aconchega à nuca de Sabina, murmurando o nome da “cantora”. É neste ponto, acredito, que Stéphane entende o significado das palavras de Isidor, ditas na cena inicial – “É uma bela canção. Há canções como essa aqui por toda a parte” –, ou seja, essas canções não são propriedade de um indivíduo, mas de uma cultura coletiva. Por isso a confusão de Isidor quando, no acampamento, ele apresenta a Stéphane um cantor após o outro: nunca é a cantora que Stéphane deseja encontrar. Em outras palavras, “Nora Luca não existe”;10 o objeto da busca de Stéphane, seu objeto de desejo, só existe na medida em que ele o construiu para dar sentido à ausência do pai. O que é importante não é a cantora, mas o fato de que as canções são cantadas. Nesse ponto, o objeto de desejo de Stéphane se desloca metonimicamente da cantora Nora Luca (seu objet a) para a canção “Nora Luca” e, mais tarde, para Sabina.11 Para Lacan, é claro, o desejo opera metonimicamente, pois dirige o processo de simbolização, mudando de um significante para outro. O que podemos ver acontecendo aqui, portanto, é a não fixação do objeto e a inauguração do desejo como metonímia, o desejo de Stéphane é libertado de sua fixação no objeto (Nora Luca) e deslocado para um objeto (a canção; mais tarde, Sabina). Contudo, esse não é o ponto final do processo, pois Stéphane ainda acredita que pode se apoderar do objet a. Gatlif nos mostra a impossibilidade disso com mais uma interpretação da canção, que dilacera brutalmente qualquer romantismo ou sentimentalismo residual.
Após a queima da vila cigana e a incineração de Adriani, Sabina e Stéphane procuram Isidor para dizer-lhe que seu filho está morto. Os músicos tinham sido contratados para tocar numa festa privada em uma grande casa de campo. Enquanto o acampamento pega fogo, os ciganos estão entretendo a burguesia local com música tradicional e jovens garotas ciganas que dançam sobre a mesa. Quando Sabina e Stéphane entram na casa, escutamos a melodia pesarosa de “Nora Luca”, e Stéphane é impactado pela visão de um grupo de romenos de classe média, de meia-idade, bem alimentados, cantando o lamento que fora para ele tão pungente e doloroso escutar. A canção que o fez sair de Paris e ir a um acampamento cigano na Romênia nada mais é do que um clichê sentimental.12 A câmera mantém o close-up do rosto perplexo e imóvel de Stéphane até que a melodia de “Cheguei até a encontrar ciganos felizes” irrompe, e escutamos os lamentos agoniados de Isidor, seus clamores para que a terra se abra e o engula. Antes, Stéphane havia sido obrigado a aceitar que não havia nada de essencial, nada intrínseco à cantora, agora tinha que reconhecer que não havia também nada intrínseco à canção. Não há nenhuma essência autêntica ou genuína intrínseca à canção que possa resistir à banalidade do sentimento e do clichê. Só há momentos nos quais canções são cantadas. Podemos ansiar por esses momentos e nos colocar neles, mas só podemos reconhecer seu status de objet a retrospectivamente, após terem passado. É isso, penso, que Stéphane admite no final do filme, e é por isso que destrói sua coleção de fitas.
Conclusão
Voltemos à cena final, em que Stéphane retorna pela estrada que o vimos seguir a pé na sequência inicial, talvez voltando para o local de onde originalmente veio. Ele para ao lado de um marco miliário, e a câmera mantém um close-up do seu rosto através das janelas do carro.
Há um corte para uma tomada mais próxima, e ela é mantida, depois corta para um plano médio, quando vemos Stéphane sair do carro, acender um cigarro e olhar para a estrada, na direção da vila e do acampamento rom. Ele murmura “ótimo, cara”, expressão da intimidade que tinha com Isidor, e volta para o carro para pegar suas fitas e vodca. Ele fica na Romênia com Sabina ou a leva para a França? Volta talvez sozinho para a França? Não tenho a mínima ideia e acho que o filme deixa isso deliberadamente em aberto e ambíguo. O que vemos é Stéphane destruindo suas fitas no marco miliário. Um marco miliário marca a distância percorrida. Mas trata-se da distância para ou de algum lugar?
O estrangeiro louco não responde a essa questão, prefere circular a Coisa, ou o objet a, ou punctum,13 como diz Barthes – aquilo que não pode ser inscrito no simbólico. O estrangeiro louco, em outras palavras, nos dá não uma representação autêntica da cultura rom, mas a impossibilidade de alguma vez capturarmos o real do nosso desejo.
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1 Originalmente publicado pela revista Gramma: Journal of Theory and Criticism em 2006. Tradução de Tiago Jonas.
2 Digo “ele mesmo” aqui, pois não estou ciente de nenhuma mulher rom que seja diretora. Ficaria muito feliz de ser corrigido nesse ponto.
3 Infelizmente, não saberemos como sua carreira de diretor se desenvolveria, pois Vishnevskiy morreu em 7 de março de 2003, aos 55 anos.
4 Dois filmes recentes – dirigidos por Îelimir Îilnik, Kenedi Goes Back Home [Kenedi volta para casa] (2003) e Kenedi, Lost and Found [Kenedi, achado e perdido] (2005) – podem complicar a situação, pois Îilnik não faz parte do povo rom, mas suas duas produções dão livre expressão ao personagem principal, Kenedi, que discute a situação complicada dos ciganos na antiga Iugoslávia e conduz a narrativa. São filmes que não estão submetidos às demandas narrativas do diretor, mas são documentários, e meu interesse aqui é em longas-metragens de ficção.
5 Como explicarei adiante, estou me referindo à Coisa aqui num sentido especificamente lacaniano, e isso não deve ser confundido com a “existência” verdadeira do povo ou da cultura rom. Quero argumentar que O estrangeiro louco lida com questões de fantasia, desejo e representação, e não apenas com a dura realidade social da existência dos roma contemporâneos.
6 De modo geral, todos parecem concordar que, após destruir as fitas, Stéphane “decide não retornar para a França” (Imre,2003,p.20). Não vejo evidência textual nisso; como argumentarei, o final do filme parece ser muito mais aberto e ambíguo.
7 É revelador o que escreveu um crítico: “Em Stéphane, reconhecemos nossas próprias fascinações ‘orientalistas’” (THOMPSON, 2000, p.2). Quando o vemos “transando em uma tenda, enchendo a cara na neve e se arrastando numa paisagem lamacenta sem que nós mesmos tenhamos que vivenciar isso (ora, é muito anti-higiênico)” (Ibidem, p. 2).
8 Slavoj Zizek também escreveu a respeito do roubo do gozo do ponto de vista lacaniano. (1993, p.200–237, ver especialmente 204).
9 A profissão do pai de Stéphane é crucial, creio, pois todo o debate sobre os filmes roma gira em torno de se eles nos dão ou não uma imagem etnográfica acurada da vida e da cultura roma. Gatlif mais uma vez está colocando em primeiro plano o fato de que os roma são “objetos de estudo” para o discurso acadêmico ocidental em vez de sujeitos por seus próprios méritos.
10 Assim como Lacan não quer dizer que não existe mulher no mundo ao proferir seu slogan “A Mulher não existe”, não quero dizer aqui que tal cantora não existe, mas que não está claro qual é o status dessa cantora em relação à canção. Como as únicas palavras escritas na fita são “Nora Luca”, Stéphane assume que esses significantes são o nome da cantora, mas poderiam também ser o nome da canção. Nos créditos do filme, a “interpretação” da canção “Nora Luca” é atribuída a Monika Juhasz-Miczur; o CD da trilha sonora do filme tem duas versões da canção; a primeira, com uma base instrumental, é atribuída a Tony Gatlif, e a segunda, apenas voz, é cantada por Nora Luca. A gravação do pai de Stéphane, que ele toca para Isidor no início do filme, é a versão apenas com voz; todas as versões subsequentes que escutamos no filme têm acompanhamento musical.
11 Agradeço a Eugenie Georgaca por apontar esse último deslocamento na narrativa.
12 Como observa Iordonova, a versão maravilhosa de “Ederlezi” na cena do dia de São Jorge em O tempo dos ciganos de Goran Bregovic é agora uma espécie de hino nacional, tocada em casamentos e outras celebrações por toda antiga Iugoslávia (2002, p.111). O que parecia ser um momento maravilhosamente pungente e triste no filme resulta sentimental por conta de sua incessante repetição.
13 Punctum é a expressão em Latim para ferida; Barthes usa o termo para designar o pequeno pedaço de real que de alguma forma vemos, mas não conseguimos descrever ou localizar na representação. É o punctum que torna certas imagens mais pungentes para nós.