Latcho Drom exibido pela Cinemateca francesa¹

Raphaël de Gubernatis

 

Do Rajastão à Andaluzia, vemos o périplo milenar de um povo nômade de tradições fascinantes, em que dança e música combatem a dureza da existência e dão uma imagem dos roma diferente daquela veiculada pelos noticiários.

“O mundo inteiro não gosta de nós, nos expulsaram, nos amaldiçoaram.” Este canto doloroso dos ciganos reflete sua condição de povo errante. A desconfiança, o desprezo e o ódio que os sedentários foram capazes de lhes destinar terminaram por engendrar em muitos destes nômades uma atitude de negação sistemática da integração ou do diálogo – embora nem todos a tenham mantido. Por um lado, isso preserva uma identidade original, ferozmente defendida, e responde à rejeição da qual eles foram frequentemente vítimas… e culpados ao mesmo tempo. Mas conduz também a uma dramática ausência de compreensão e de respeito pelo outro por parte das duas comunidades.

Do Rajastão à Andaluzia

Entre a aversão primária e a fascinação romântica exercida por seu orgulho de errantes e sua condição de rebeldes, os gitanos, boêmios, ciganos e outros egípcios se espalharam pela Europa até as Américas, saindo de onde sabemos hoje ser sua terra originária, a Índia, de onde eles se espalharam em torno do ano 1000 por razões esquecidas sem dúvida para sempre.

Cultura polimorfa

Um deles, o cineasta Tony Gatlif, curioso por suas origens tão misteriosas quanto fascinantes, e sem dúvida comovido por esta maldição que persegue seu povo viajante, partiu em busca de suas raízes distantes. E apenas a visão, no início de seu filme, de danças do Rajastão, e depois, ao extremo do périplo, de danças andaluzas, são suficientes para provar o parentesco íntimo das duas culturas, ou melhor: os rostos diversos de uma cultura única e polimorfa que permanece orgulhosamente original, ao mesmo tempo em que se impregna das tradições dos países que atravessa.

Epopeia e tragédia

Índia, Turquia, Egito, Romênia, Hungria, Alemanha, França, Espanha: ressuscitado desta forma pela imagem, o fabuloso percurso dos romas remete à epopeia. Ou à tragédia, com o genocídio perpetrado pelos nazistas, do qual se fala muito pouco. E os planos são quase sempre mágicos, dos que mostram uma pequena caravana no Rajastão, com carroças, cavalos, mulheres, homens, crianças, roupas multicoloridas, danças e músicas tradicionais, até aqueles que revelam a praça de uma vila andaluz como as que existiam antigamente, antes que a Espanha fosse desfigurada pelas odiosas construções dos anos 1970-1980.

Belos rostos de crianças

O cineasta e seus assistentes destacam-se ao captar rostos sensacionais de crianças, os de dois meninos em particular, um no Rajastão, o outro na Andaluzia. Dois rostos belos e luminosos, dos quais saem vozes impressionantes, reforçadas pela extraordinária maturidade dos jovens cantores.

Cantadores inspirados

Alguns meses depois das brutais diretivas governamentais lançadas na França contra os romas, em decorrência dos abusos ou dos crimes de alguns deles, a apresentação deste filme, Latcho Drom (boa estrada), pela Cinemateca da Dança ganha inevitavelmente a imagem de um ato político. A obra, por sua vez, é um poema melancólico, mas também um canto alegre destinado a saudar um povo e sua cultura extremamente variada. Nem todos os ciganos prostituem seus filhos, nem todos roubam, nem todos são chefes de quadrilhas de malandros. No filme há imagens de amor parental, de felicidade de vida em comunidade, sons mágicos e danças de uma grande beleza que dão uma imagem dos romas diferente daquela oferecida pelos noticiários recentes. Claro que uma realidade não anula a outra. A música não esconde a miséria. A beleza não elimina a escuridão. Mas nos ciganos a beleza existe também. Tony Gatlif e os seus revelam-se seus cantadores inspirados.


Originalmente publicado pelo jornal Le Nouvel Observateur em novembro de 2011 por ocasião de exibição em parceria com a Cinemateca da Dança, instituição parceira da Cinemateca francesa que existe desde 1982 com o intuito de preservar e documentar a expressão coreográfica no meio audiovisual. A Cinemateca da Dança promove sessões de filmes de sua coleção e pequenos festivais temáticos dentro e fora da França. Tradução de Tatiana Monassa.